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‘A essência de Santo André sempre estará comigo’, diz Diego Hypólito
Renan Soares
09/06/2025 | 08:04
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FOTO: Léo Rosario/Globo


Entrevistado dessa semana, Diego Hypolito construiu sua trajetória na ginástica artística a partir do Grande ABC, com treinos improvisados em Santo André e São Bernardo. Inspirado pela irmã, Daniele, e com o apoio incansável da mãe, Geni, enfrentou desafios desde a infância. A rotina puxada e a disciplina moldaram não só o atleta que chegaria ao pódio olímpico, mas também o homem que hoje valoriza suas raízes.

À frente do Instituto Hypolito, criado para formar novos talentos em comunidades carentes, Diego defende o esporte como ferramenta de transformação. Ele acredita na importância da representatividade, como a de Rebeca Andrade, e critica a falta de estrutura. Depois de medalhas, críticas e recomeços, define sucesso como poder retribuir, cuidar da família e inspirar gerações a acreditarem nos sonhos.


RAIO X


Nome: Diego Matias Hypólito.
Aniversário: 19 de junho.
Onde nasceu: Santo André.
Onde mora: Rio de Janeiro.
Formação: Ensino médio.
Um lugar: Praia.
Time do coração: Flamengo
Alguém que ira: A mãe, Geni Matias Hypólito.
Um livro: Não declarou.
Uma música: This Is Me, do musical The Greatest Showman.
Um filme: Não declarou.

O Sr. começou sua trajetória em Santo André, uma cidade que já formou atletas olímpicos. Como foi crescer ali e transformar essa origem em plataforma para o mundo?

Minha maior inspiração sempre foi a Dani (irmã). Ela já tinha começado em Santo André, onde o local era bem precário. A gente treinava em cima de pneus e tatames de judô, aqueles feitos de material simples, de madeira. No Flamengo, que era o melhor clube do Brasil, os aparelhos ainda não eram adequados para aquela geração. Hoje, embora haja locais com aparelhos mais modernos, eles ainda são muito caros. O que me ira é saber que o local onde começamos foi um lugar de inspiração para muitas crianças. Fico muito feliz por ver que aquele espaço cresce e continua oferecendo oportunidades. A Patrícia Turina, que é uma grande amiga e trabalha no Sesi, é um exemplo disso, e espero que as crianças que treinam lá alcancem seus sonhos. Sou do Grande ABC, nasci em Santo André, e embora meu sotaque seja predominantemente carioca, por tudo o que o Rio de Janeiro nos deu, minha trajetória de medalhista olímpico foi construída em São Bernardo. 

Quais foram os momentos mais marcantes da sua infância no Grande ABC?

Os momentos mais marcantes para mim, sem dúvida, foram os ligados à construção da minha família e da nossa trajetória. Vínhamos de uma realidade simples e isso, de certa forma, moldou muito do nosso caráter e da força que carregamos até hoje. Minha mãe (Geni Matias Hypólito) foi uma peça fundamental nesse processo. Ela nos levava diariamente ao Sesi, onde eu treinava pela manhã. Depois, à tarde, eu seguia para os treinos na Yashi. Essa rotina intensa e dedicada foi essencial para que eu entendesse, desde cedo, o valor da disciplina, da perseverança e da construção de uma base sólida, tanto nos esportes quanto na vida.


O que Santo André ainda representa na sua vida, mesmo após ter pisado em tantos palcos do mundo?

Santo André representa o início de tudo. Foi lá que comecei a sonhar, a lutar e a conquistar cada o na minha trajetória. Mesmo após ter pisado em tantos palcos do mundo, minha cidade natal continua sendo o meu alicerce, o lugar que me ensinou a lutar, a perseverar e a valorizar a minha origem. Não importa onde esteja, a essência de Santo André sempre estará comigo, porque lá que tudo começou.


Sua família é um pilar muito forte na sua trajetória. Como foi dividir esse caminho com sua irmã Daniele e o que vocês aprenderam um com o outro dentro e fora dos ginásios?

A nossa família sempre foi nosso maior exemplo. Tudo o que vivemos, tanto as conquistas quanto as dificuldades, moldou quem somos. Nunca gostei de me vitimizar pelas adversidades, porque foram elas que nos fortaleceram. Dividir minha trajetória com meu irmão (Edson Hypolito) e, principalmente, com minha irmã Daniele foi algo muito especial. Desde pequeno, ela era meu espelho. Eu via o talento, a dedicação e o respeito que ela despertava nas pessoas, e queria seguir esse caminho também, ser reconhecido como um exemplo na ginástica, que na época tinha mais meninas praticando. A Daniele foi minha maior inspiração. Se não fosse por ela, talvez eu nem tivesse seguido na ginástica. Ela me ensinou disciplina, coragem e o valor da parceria. O que construímos juntos vai além do esporte, é sobre união, superação e o quanto a família pode nos levar mais longe.

O Sr. sofreu críticas ao longo da carreira, especialmente após quedas em finais olímpicas. O que a pela cabeça de um atleta quando o mundo inteiro está assistindo a um tropeço?

Acredito que as dificuldades que enfrentei, as quedas, só me fortaleceram e me fizeram querer continuar em frente. Eu não sou uma pessoa que desiste facilmente porque tenho objetivos e sonhos grandes. As críticas, para mim, sempre foram uma oportunidade de aprendizado. Eu separava as críticas construtivas e as usava a meu favor. O que eu não considerava positivo, simplesmente não levava para o meu coração, porque sabia o quanto eu me dedicava. Acredito que as dificuldades nos moldam e nos fazem seguir em frente. Meu foco é sempre seguir em frente e não desistir dos meus objetivos.

Como foi o processo de se aceitar e depois se assumir publicamente como um atleta gay num ambiente esportivo que ainda hoje é tão machista e conservador?

Foi um processo gradual e muito pessoal. Quando decidi me assumir publicamente, foi porque senti que isso era necessário para ser honesto comigo mesmo e também para inspirar outras pessoas que talvez assem pelo mesmo dilema. Sabia que o ambiente esportivo ainda é muito machista e conservador, mas também acredito que a mudança começa com atitudes como essa. Foi um desafio, mas também uma forma de mostrar que todos, independentemente da orientação sexual, merecem respeito e podem alcançar seus objetivos no esporte.

O Sr. sente que o Brasil desperdiça talentos por falta de investimento e estrutura nas regiões periféricas? 

Sim, acredito que o Brasil perde muitos talentos devido à falta de investimento e estrutura, especialmente nas regiões periféricas. Ao longo da minha carreira, pude vivenciar essa realidade de perto e, hoje, vejo isso com ainda mais clareza no Instituto Hypolito, que fundei em 2022. Trabalho ao lado dos meus irmãos e da nossa equipe para formar novos talentos em comunidades como Macuco e Penha, no Rio de Janeiro. Essas comunidades possuem um enorme potencial, mas a escassez de recursos e oportunidades impede que muitos jovens desenvolvam plenamente suas habilidades e conquistem seu espaço no esporte de alto rendimento. No Instituto, conseguimos oferecer uma estrutura de qualidade, comparável à de centros olímpicos, mas ainda há muito a ser feito. O Brasil precisa investir mais nessas regiões, para que mais talentos possam ser descobertos e tenham a chance de brilhar no esporte, assim como eu tive a oportunidade de fazer.

Com a chegada de Rebeca Andrade à modalidade, o Sr. enxergou uma mudança na forma como o esporte é tratado? 

Com a chegada de Rebeca Andrade à ginástica, vi uma verdadeira transformação na forma como o esporte é tratado no Brasil. Rebeca é uma mulher negra, que cresceu com mais sete irmãos, criada por uma mãe solo. Sua trajetória de superação e conquistas é simplesmente inspiradora. Ela é, sem dúvida, um exemplo de força, resiliência e determinação, e isso é algo que iro profundamente. O impacto de sua chegada foi imediato, não apenas no esporte, mas também no nosso Instituto. A procura pelos treinamentos aumentou significativamente, chegando a ter mais de 500 crianças na fila de espera. Esse aumento reflete a importância da representatividade. Quando uma pessoa que vem de lugar simples, como nós, chega ao topo, ela prova que é possível conquistar grandes coisas, independentemente das dificuldades. A Rebeca tem sido essa fonte de motivação, mostrando a muitos jovens que o sonho de se tornar um atleta olímpico está ao alcance deles. 

O que o Sr. levou do BBB (Big Brother Brasil) para a vida e o que ficou fora da edição que queria que tivessem mostrado?

No BBB, o público conheceu um Diego mais humano, mais vulnerável, fora dos holofotes olímpicos. Foi uma experiência incrível para eu poder mostrar outra faceta minha, mais próxima da minha essência. O que levei de aprendizado para a vida foi a importância da autenticidade e de ser verdadeiro, independentemente das expectativas que as pessoas têm sobre você. Também aprendi a lidar melhor com as situações de pressão emocional e a ser mais leve com as coisas. Quanto ao que ficou fora da edição, acredito que tudo foi muito bem retratado. O público teve a chance de ver mais da minha convivência com a minha irmã, Daniele. A nossa parceria, a nossa história e o apoio mútuo que sempre tivemos, as briguinhas e brincadeiras de irmãos, gostei bastante de ver os memes quando sai. A relação que temos é muito forte, e acredito que o público conseguiu ver como são os irmãos Hypolito fora do esporte. Até o Edson, nosso irmão mais velho, teve participação nisso porque ele foi até a Casa de Vidro falar com a Renata. Além disso, acredito que a edição mostrou meu lado protetor com as amizades, eu amo meus amigos e sou extremamente leal a eles.

O Sr. pensa em atuar politicamente pelo esporte ou até criar projetos sociais voltados à ginástica para jovens do Grande ABC? 

Com certeza, um dos meus grandes sonhos é expandir o Instituto Hypolito para todo o Brasil. Quero levar a oportunidade de formar novos atletas, especialmente nas regiões que mais precisam. A ginástica mudou minha vida, e acredito que ela tem esse poder para muitas outras pessoas. A ideia é oferecer e, estrutura e formação para jovens talentos, criando um futuro cada vez mais promissor e inclusivo no esporte.

Hoje, como o Sr. define sucesso – depois de medalhas, superações públicas e recomeços?

Hoje para mim, o sucesso vai muito além de medalhas ou títulos. Embora essas conquistas tenham sido fundamentais na minha trajetória, o verdadeiro sucesso está em garantir uma boa condição para minha família, especialmente para os meus pais, e, mais importante, ser feliz com as escolhas que faço. O sucesso é poder olhar para trás e saber que, após tantas superações e recomeços, fiz o meu melhor para cuidar de quem amo e, ao mesmo tempo, inspirei outras pessoas a perseguirem seus próprios sonhos. Sucesso também é dar à minha mãe a casa que ela sempre mereceu e ver o crescimento do Instituto Hypolito, ajudando jovens a se destacarem no esporte. Continuar batalhando por isso é o que realmente define o meu sucesso agora, porque é isso que faz sentido para o Diego de hoje.




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